Sempre é possível dar a volta por cima

DANDO A VOLTA POR CIMA

Conheça as histórias de quem sofreu abuso e deu a volta por cima!

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Estou aqui para contar um pouco da minha história.

Aos oito anos vivi a minha primeira experiência de abuso sexual que me lembro.

Lembro-me vagamente que foi no período da tarde, e minha mãe não estava em casa. Também não sei onde estavam meus irmãos, eu sou a filha mais velha de cinco irmãos.

Lembro-me de estar deitada na cama dos meus pais, e do meu pai me tocar, lembro-me de ter visto o pênis dele e de ficar roçando em mim.

Não lembro direito como começou e como terminou; não me recordo de ter sido ameaçada, mas lembro-me vagamente dele ter pedido para eu não contar.

Neste meio tempo recebíamos constantemente a visita do nosso tio, irmão da minha mãe, que vivia pela casa nos agarrando e querendo nos bolinar.

Quando falamos para minha mãe ela sugeriu que falássemos com ele

Eu não contei para ninguém até a minha adolescência, numa explosão de raiva eu falei para a casa inteira ouvir.

Minha mãe me disse que meu pai se justificou dizendo que havia sido provocado.

Minha mãe nunca parou para conversar comigo sobre isso.

O último episódio foi provocado pela irresponsabilidade da minha mãe, meu pai estava internado por alcoolismo e eu estava em São Paulo para receber cuidados médicos, havia sido trazida pela minha tia. Na volta minha mãe saiu do meu lado dando lugar para um homem e foi se sentar com outro.

O que a gente faz quando nossa mãe nos entrega assim nas mãos de um estranho.

Na parada do ônibus eu desci sozinha e olhei pra ela, via uma mulher desalinhada e envergonhada, e naquele momento eu soube que eu teria que assumir o controle da minha vida, que não havia ninguém que eu sentisse que podia CONFIAR, a pessoa responsável por mim não conseguia cuidar nem dela mesma.

A primeira coisa que fiz foi admitir que não dá para mudar o passado e que eu precisava continuar a viver, encontrei a alternativa de esquecer e fingir que nada aconteceu, se ninguém se importava.

Uma vez tentei contar ao pai dos meus filhos mas ele também não demonstrou interesse, reagiu como se eu estivesse inventando.

A negação me impediu de pensar sobre o assunto e eu não aprendi a lidar com a situação nem avaliar o quanto isso me afetou.

Lutei bravamente para esquecer e viver de forma adequada no mundo, e tranquei os meus pesadelos e os meus fantasmas num lugar que eu considerava seguro e queria viver como uma pessoa normal.

Mas um dia eu tive um  insight durante um trabalho em fortaleza  percebi que vivia em constante estado de alerta e dispendia bastante energia para manter o equilíbrio e a paz que eu tanto precisava.

A intuição me dizia que estava relacionado ao passado, busquei ajuda em terapia e os monstros que tranquei no armário finalmente foram libertados e ganharam uma proporção enorme e estavam muito maiores do que eu podia me lembrar. Eu não sabia lidar com eles, com a dor que me causava e a minha raiva fora transformada em mágoa e ressentimento.

Eu amava o meu pai e descobri que sentia muita raiva dele por ter destruído um relacionamento que era tão importante pra mim, eu senti muito não poder relacionar-me com ele de uma forma natural.

Quando a lembrança de minha mãe vem a coisa mais marcante é o seu olhar, de alguém tão frágil por dentro e perdido, penso que talvez ela também tenha sofrido abuso já que o irmão dela era bem mais velho e pervertido. Eu não guardei ressentimento dela, e a omissão me tornou forte, me libertou, me permitiu escolher.

Eu sempre vou lembrar-me porque é uma parte da minha história e elas me tornaram quem eu sou e eu gosto de quem me tornei.

Em terapia, eu entendi também porque nunca vivera uma grande paixão, conheci minha sombra.

Por muito tempo fui cativa do medo, não aprisione nem lute com a sua sombra, comungue com ela, faça amizade, conheça-a profundamente, entende-a e assim você ganhará um grande aliado que te acompanhará no novo caminho.

O novo caminho é o VIVER.

Maria Regina

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